sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Texto do mês de novembro da minha coluna no jornal Informativo

                                                                    O Bibliotecário Invisível

“São dias em que o homem se levanta com um gênio jovial e vigoroso. Com suas pálpebras livres do sono que as selava, o mundo exterior se oferece a ele com um relevo bem marcado, uma nitidez de contornos, uma riqueza de cores admiráveis.” Era esse o verso que o professor Lobato Vargas preparou para ler em seu encontro matinal, na biblioteca municipal Antônio Rassine da Cunha Peixoto, com o seu amigo João Kant, bibliotecário aposentado. Todos os dias eles se encontravam às oito da manhã nessa biblioteca para discutirem sobre política, literatura, futebol e mulheres. Porém, João estava atrasado pela primeira vez. Lobato, então, decidiu deambular pelas estantes da biblioteca para ver se achava seu livro preferido: “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. O livro fora indicação de Kant.  “No meio do caminho da nossa vida/encontrei-me numa selva escura,/porque me tinha extraviado da via do bem”. Começava a leitura do livro de Dante pela décima quinta vez quando fora interrompido pelo esbaforido Kant: “Perdoe-me amigo, mas, perdi a hora! Fiquei ali na alameda Kuêk parado e bastante triste. Ainda não tinha visto que cortaram o Tamarindeiro!”. Lobato disse ao amigo que a árvore estava prestes a cair e que, por isso, foi sacrificada. “Sacrificada. Creio que este é o termo correto. Aquela árvore era um elemento personificado de Jequitinhonha. Uma amiga que morava na beira do rio. Uma amiga a quem nomeei de Ângela”, ponderou Kant, que puxou uma cadeira e se sentou. Lobato pensou, novamente, que o amigo estava sendo afetado pelos devaneios matinais. Mas, logo se lembrou de Simão Bacamarte e se calou.
Ângela era o nome da mulher de Kant, a qual falecera por conta de um câncer de pulmão. Desde então Kant começou a conversar com o Tamarindeiro, apelidando-o de Ângela. Todos os meses, no aniversário de namoro dos dois, deixava um bilhete e uma flor para sua mulher no buraco do Tamarindeiro, aberto por conta de um incêndio. Sempre conferia se os bilhetes estavam lá no dia seguinte. Nunca conseguiu encontrá-los. “Hoje, é como se perdesse Ângela pela segunda vez... Nunca mais poderei oferecer-lhe flores e palavras... lamentou Kant... Percebendo o tom pessimista e melancólico do amigo, Lobato resolveu mudar de assunto: “Você viu que estão querendo derrubar o ministro do Trabalho, Carlos Lupi? Daqui uns dias o governo Dilma vai ter mais ex-ministros do que ex-BBBs.” Kant esboçou um sorriso e disse, timidamente: “O ministro se derrubou ao se aliar à ONG’s espúrias! Achei a comparação dos ministros aos BBB’s interessante. Coisas do Marcelo Tas!”. Depois, continuou: “Desanimei com a política. É como diria Max Weber: ‘Há duas maneiras de fazer política. Ou se vive para a política ou se vive da política. Nessa oposição não há nada de exclusivo. Muito ao contrário, em geral se fazem uma e outra coisa ao mesmo tempo, tanto idealmente quanto na prática’. No Brasil, tanto nos ideais quanto na prática o peso dessa oposição é tendencioso para apenas um lado. Tende, absurdamente, para o se viver da política. Além disso, há também as escolhas erradas do executivo para a ocupação de ‘cargos indicados’. E isso acontece não só na esfera federal. Ocorre também nas esferas estaduais e municipais. O que temos são ministros e secretários que são acometidos pela síndrome do poder mínimo e pela síndrome da incompetência adquirida e acabam ‘maracutaiando’ o poder e, consequentemente, as administrações. Lobato tinha conseguido trazer o crítico amigo de volta... Kant ainda discursou acerca da vitória do Cruzeiro sobre o Internacional e sobre o alívio azul que sentiu pela suada vitória do time de seu coração. E também discursou sobre a vontade de conhecer Marte... Lobato se lembrou, de novo, de Simão Bacamarte...tentou fingir que acreditava nas mirabolâncias do amigo. Achava, muitas vezes, que Kant tinha enlouquecido após a morte da esposa. Mas, achava muito mais que o amigo sofria de “literaturice”. Esperava a hora em que ele lhe indicasse algum livro. E para a surpresa de Lobato o livro que Kant lhe indicara naquele dia fora “Paraísos Artificiais”, de Charles Badeulaire. O livro começava com a seguinte frase: “São dias em que o homem se levanta com um gênio jovial e vigoroso. Com suas pálpebras livres do sono que as selava, o mundo exterior se oferece a ele com um relevo bem marcado, uma nitidez de contornos, uma riqueza de cores admiráveis.” Naquela manhã, Lobato havia amanhecido com um gênio jovial e vigoroso. Livre do sono que o rodeava. Talvez seja por tal motivo que nunca mais voltou a ver o amigo Kant. Aliás, talvez, Kant nunca tenha existido. Talvez o Bibliotecário invisível tenha sido somente uma desculpa para Lobato retornar todas as manhãs à biblioteca Antônio Rassine da Cunha Peixoto em busca de um novo livro e de uma nova aventura...

Um comentário:

  1. Salve Thiago Machado, tu cita a primeira estrofe do livro a Divina Comédia, é o mesmo que tenho aqui, da editora fase, o seu está escrito igual ao meu, sabe quem é o tradutor? No meu livro nada é falado sobre quem fez essa tradução.

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