O Futuro da Villa Arcangelina
(Jequitinhonha)
Julião Fernandes gostava de
sentar em sua galinhota, uma velha companheira das antigas feiras de sábado.
Foi com ela que começou a ganhar a vida, em frente ao Mercado Municipal. E era
com ela que refletia sobre decisões importantes. A galinhota podia até estar um
pouco desbotada, mas as ideias, ah! As ideias não se desbotam nunca, bem como
os ideais, pensava o recatado Julião. Sempre que se sentava em sua gasta
galinhota, levava sua xícara de café, que tinha que estar quente e forte, como
o dia a dia. E levava consigo também seu livro preferido, a Lei Orgânica
Municipal de Jequitinhonha, livrinho nas cores vermelha e verde, com vinte e
sete páginas. A paixão de Julião. Porque Amor, Amor mesmo, ele sentia por Jequitinhonha,
seu descanso na loucura, seu ato sem recato, sua mistura entre tudo e infinito.
Eu não sei o porquê e o próprio Julião também nunca soube, mas ele começava
suas pensações a partir do artigo terceiro do seu pathos preferido: “Constituem
objetivos fundamentais do município: I – o respeito à dignidade da pessoa
humana; II – a garantia do desenvolvimento do trabalho e da livre iniciativa,
com oportunidades abertas a todos os cidadãos independentes de seu sexo, raça,
idade e cor.”
Julião leu e
releu este preâmbulo costumeiro e se calou. Calou, descalou. Queria este artigo
em seu epitáfio. Já tinha falado isso a sua filha Artêmis. Porém ia dizer de
novo. Antes, a tristeza. Tinha acabado de se lembrar dos programas eleitorais
na rádio Santa Cruz de Jequitinhonha. O coração de Julião ficou em uma ficança
insegura, doída, sisuda. O que Julião escutou não o deixou feliz. Julião
estanhava o programa da oposição de Jequitinhonha. Como estranhava os comícios.
Como estranhava as figuras. Muitos homens forasteiros de blá,blá,blás mentirosos
e poucos pensamentos! E com um costume terrível: o de nenhuma proposta. Vazio.
Conjunto vazio, fórmula matemática aplicada à política. Um nada cheio de
invencionices. Julião se inquietava. Escutava as falas deles com atenção. E
soltava logo um frenético: “isso aí nem o gênio da lâmpada consegue fazer”!
Julião desconfiava. Desconfiança de quem já sofreu. Ele tinha uma terrinha onde
hoje é o assentamento Campo Novo. Vendeu-a porque o ex-prefeito, candidato da
oposição, queria construir uma penitenciária ali. Julião vendeu a terra e veio
para a cidade, mas não vendeu sua dignidade e seus princípios. Levantou
bandeira. Lutou junto com o povo e o movimento “Penitenciária: aqui, não!” Na
luta diária, aprendeu a vencer a falta de propósito e a ilogicidade. A
Penitenciária não foi construída. No entanto, Julião viu mais atrocidades. Viu
de perto amigos serem perseguidos. Viu de perto amigos e amigas sofrerem com
salários atrasados. Lembrava-se com extrema amargura daquele passado negro,
entre 1997 e 2000, época em que o “Dinismo” transformou Jequitinhonha na cidade
dos “Joões” e “Juliões” sem terra e sem perspectiva.
Julião tomou o
último gole de seu café. Desde aquela época negra, resolveu que nunca mais iria
votar. Anulou todos os votos a partir de então. Só que a vida muda a gente mais
do que a gente muda a vida. Julião levantou-se. Deixou sua galinhota. Foi
contagiado pela Onda Rosa. Pela sinceridade e “forteza” observadas nas falas de
uma Mulher. Julião foi convencido pelo progresso e desenvolvimento que sua
cidade amada passou nos últimos oito anos. Julião mudou assim como
Jequitinhonha. Sensibilizou-se com as propostas firmes e planejadas de alguém
como ele. Julião Fernandes Silva. Um Silva vota em uma Silva, dizia. Julião
queria que o Progresso Continuasse. Queria ver alguém como ele na prefeitura.
E, sobretudo, não queria que a época do sofrimento e dos “DEZmandos” voltasse. Então,
resolveu dar um presente para si mesmo e um presente para Jequitinhonha, que,
no dia 29 de setembro, completou duzentos e um anos. Pegou sua bicicleta Rosa.
Colocou seu adesivo do 45 no peito. E, depois de muito tempo sem votar,
resolveu sair de casa em um sete de outubro para votar em Sinha. Era o dia para
acabar de vez com a mentira e com a política suja dos forasteiros. Porque ele
tinha uma certeza lida muitas vezes: quem ama Jequitinhonha, vota em Sinha.
Quem ama Jequitinhonha, vota na Mulher.