terça-feira, 27 de novembro de 2012

Meu artigo sobre a poesia jequitinhonhense publicado na revista Deserendos

http://desenredos.dominiotemporario.com/doc/14-Artigo-ThiagoMachado-IlcaVieira-Jequitinhonha.pdf

As Terceiras Margens poéticas do Rio Jequitinhonha: do século XVIII ao contemporâneo





Em recente entrevista a revista de Cultura Agulha, de Fortaleza, Ceará, a escritora Maria Lúcia Dal Farra (1944), perguntada sobre o papel da inócua e tímida crítica de poesia brasileira, afirmou, categoricamente, que “de verdade mesmo escrevemos para ninguém, pelo menos para ninguém que nos ouça ou que nos leia – escrevemos sempre para quem ali não está e que, se estivesse, não se encontraria onde supomos que pudesse estar. A poesia nasce desse desencontro jamais resolvido e essa é a maneira de ela se projetar para adiante – porque procura aquele que ainda não há. A rigor, portanto, era bom que o crítico ocupasse esse lugar des-sabido e errático (pelo menos por alguns instantes) nem que fosse dentro da máscara de um “hypocrite lecteur” baudelaireano (que, aliás, nesta versão da modernidade, data pelo menos de 1848 - donde se vê que o espaço vazio é antigo)”. Vesti-me da carapuça baudelaireana e, menos adiante, tive um texto publicado pela Revista de Literatura e Cultura Desenredos, fundada em Teresina, Piauí, em 2009, com o objetivo de estimular a criação artística e promover o debate de temas vinculados, direta ou indiretamente, à Literatura.
Ocupei-me do lugar des-sabido e errático para, no texto “O percurso o rio Jequitinhonha da tradição ao contemporâneo: a consagração do instante”, discutir as imagens desse rio presentes nos livros Vila Rica, de Cláudio Manoel da Costa; Glaura, de Silva Alvarenga; Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles; e no poema “O rio agora é outro”, de José Machado de Mattos, pertencente à série de poemas “Válida Esperança”, de Jequitinhonha Antologia Poética. Nessas reflexões, procurei demonstrar como suas imagens se vinculam ao “ciclo do ouro” mineiro e ao apogeu financeiro do Vale do Jequitinhonha, no século XVIII, nas obras dos poetas árcades e da poeta modernista, e como se vinculam à decadência econômica do Vale, no final do século XX, no poema do poeta contemporâneo.
Ao escrever sobre o Jequitinhonha, escrevi-me, muitas vezes. Senti-me na proa de seus escaleres. Lembrei-me das peladas do fim do dia na praia. Toquei e fui tocado pelas águas marrons, cheias de histórias e opinião. E tudo bem! Se crítica de poesia em nosso país ainda é ínfima e rara. E se a crítica de poesia do Jequitinhonha era, até então, inexistente, não o é mais. A geografia da terra dos diamantes tem um lugar merecido na Biblioteca de Babel da crítica literária, mesmo que para aqueles que ainda não hão. Ora! Foi dissertando sobre o que amo que redescobri o rio em palavras. Analisando-o, enxerguei suas terceiras margens. Elas estão lá, quando o gigante Itamonte, em Vila Rica, apresenta-lhes ao herói Garcia... rio do leito empolado... Estão lá, quando, à beira do feliz Jequitinhonha, que serve como cenário para o amor de um pastor por sua amada, em Glaura, a vida se bucoliza. Estão lá, quando Cecília Meireles retoma o antigo arraial do Tijuco e a história de Chica da Silva “nas luzentes vagas do Jequitinhonha”. Estão lá, quando o poeta jequitinhonhense, ser enraizado, depara-se com um rio modificado e doente, um rio que é outro mar, sem água e sem sal.
Estão lá, presentes entre os homens, consagradas na história. No princípio do princípio, antes, mas não fora dela. E é nesse lugar de desencontro jamais resolvido é que a poesia continua existindo, afinal, como disse a Maria Lúcia Dal Farra, “a poesia só existe quando se coloca contra a linguagem que vigora, cavando frestas por onde significar outra coisa que ela mesma ainda nem sabe o que é. E só há um jeito de viver isso: no impasse. Porque não é só uma questão de contenda sempre armada entre o poema e o seu leitor. Mas de uma luta engalfinhada entre o que a poesia busca produzir e aquilo que suas leis de produção lhe permitem ou não ultrapassar enquanto fatores constitutivos da comunidade da qual ela emerge e com quem dialoga. Muito embora em trânsito permanente, esse mecanismo de mercado só sossega se domá-la, ávido por abocanhá-la como sua presa, pasteurizando-a em definitivo. Fugir desse sequestro, enfrentá-lo no texto, situa a poesia nesse impasse de que falo, pois que o ato poético, na impossibilidade do heroísmo que redundaria inócuo, não pode ceder à contraparte cínica contida no desejo de se realizar.” Assim é. E tomara que assim seja!