segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Texto publicado em minha coluna no jornal Informativo, de Jequitinhonha

Uma história da Posse

Estava no hotel Novo Mundo, no município goiano de Água Fria. A minha barba completava oito anos de vida e eu acabava de sepultá-la na pia esverdeada do banheiro. O rosto exigiu um olhar ao espelho, mas esse olhar não veio, pois foi apressado pelo telefone, que tocava desesperadamente. Eram cinco da manhã. E a voz desatinada de Patrícia Galvão me despertou. “Vamos seu boêmio preguiçoso, já está na hora”. Conheci-a na véspera, no bar do hotel. Ela recitava o poema “Flores do mais”, de Ana Cristina César. Não resisti àquela boca sonora e nem àquele charme dialético e feminista. Sentei-me ao lado dela, completando em voz embasbacada o verso “devagar imponha o pulso que melhor souber sangrar sobre a faca das marés.” Esse foi o meu primeiro ato. Era o meu prólogo noturno. Funcionou. Patrícia (chamada por mim de Pagu), Florbela e Fidel me aceitaram na mesa deles. Em seguida, descobri que tínhamos muito mais em comum do que poemas, concepções marxistas e o nomadismo. Nós quatro também iríamos à posse da presidenta Dilma, em Brasília. Aí começava a différance derridadiana existente entre nós. Eu iria à Brasília mais pela despedida de Lula, eles pela posse da Dilma. Expliquei-lhes o motivo. Acompanho o Lula desde a primeira campanha, em 1989, quando tinha nove anos. Distribuí panfletos naquela campanha. Tornei-me militante ali. E não me esqueço de uma frase que escutei. O autor não lembro. Quem a disse, muito menos. Porém, a frase me atravessou o tempo e convive comigo diariamente: “Um povo não é escravo por ser pobre, ele é pobre por ser escravo”.
Foi a frase que defendi em nossa conversa notívaga. Parte do meu sonho de infância estava se realizando diante de mim. O povo começava a deixar de ser escravo e, consequentemente, o resto, agora, seria questão de tempo. Claro que tive que escutar as feministas (Pagu e Florbela) defenderem a simbologia da posse de Dilma. Concordei. Mas, não sob o viés do conceito de feminismo, pois este nunca existiu. O que existiu foi a masculinização da mulher. Na verdade, o feminismo submeteu a mulher, ainda mais, à sociedade patriarcal, expondo-a aos desmandos masculinos, disfarçados, vergonhosamente, de feminismo. A posse da Dilma, então, tem a simbologia do continuísmo e, sobretudo, do inédito matriarcalismo. É mais ou menos nisso que concordei com meus amigos de bar. Voltemos ao telefonema. Após ele, encontramo-nos no saguão do hotel e fomos à rodoviária, pegar um ônibus para Brasília. Fidel e Florbela dormiram durante toda a viagem. Pareciam as personagens amorosas de Shakespeare. Eu e Pagu, não. Estávamos em desatenção, desenhando nossas biografias pelas linhas retilíneas do Planalto Central. Ao chegarmos à rodoviária, ocorreu nova cisão no grupo. Não mais de sono, porém, de corpos. Eu e Pagu fomos direto à Esplanada dos Ministérios. Já Fidel e Florbela preferiram, antes, descansar em um hotel. A chuva que caía em Brasília nos deixou ensopados. A mesma água lavava o povo e os monumentos da política brasileira. Todos tinham um semblante mais límpido, apesar da lama.
Tentava esconder a minha câmera e a minha euforia, mas elas se misturavam à chuva. Pagu decidiu esperar a chuva diminuir. Ficou em uma marquise branca e atemporal. Naquele momento, a música de Raul Seixas, “Medo da Chuva”, embriagou os meus ouvidos encharcados. “Como as pedras imóveis na praia/Eu fico ao seu lado sem saber/Dos amores que a vida me trouxe/E eu não pude viver.” Dei um beijo no rosto molhado de Pagu e prossegui até um policial me parar. Precisava lhe apresentar a identidade e me submeter à inspeção. Depois, fiquei parado, muito próximo ao Parlatório do Planalto. De lá vi a Marcela Temer, a Vênus deslocada. De lá vi a Dilma e o seu técnico, objetivo e aristotélico discurso. De lá vi o presidente Lula descer a rampa do Planalto e caminhar em minha direção. Perto de mim, o povo o abraçava, gritava seu nome, fazia-lhe juras de amor. A chuva escorria única no rosto do presidente único. Vi que presidente e povo se compreendiam. Senti uma sensação inédita na história deste país. Uma sensação de alívio e de dever cumprido. Era hora de voltar para casa. Era hora de voltar para Jequitinhonha.

domingo, 2 de janeiro de 2011

da série poemas juvenis.

Sem importância

Tanto fiz
Que tanto faz
Tanto quis
Que tanto jaz
Tantas mãos
Tantos poemas
E mulheres
E discos
Tudo bem
Confesso
Sou poeta
E nada mais
E nada menos
E nada...
A cada manhã
Nasce uma rosa
E face
E faz
O amor
O amor poeta que engole o dia.