Sinônimos
Falar do show de Zé Ramalho em Jequitinhonha se tornou tarefa fácil, de uma banalidade indecorosa. Não, não porque extrapolam aqui nesta coluna narcisismos exagerados. Não é isso. É mais que isso. É nada disso e mais que isso. E digo o porquê. Estamos todos, eu, você e os tantos e tantos privilegiados que assistiram ao show naquela praça com sentimentos repletos de cumplicidades, enternecimentos e camaradagem. De tal forma que eu poderia simplesmente, de uma hora para outra, começar a chamar um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira de Zezinho. Fomos pegos pela intimidade. É como se Zé Ramalho fosse um de nós, jequitinhonhenses. E ainda é como se ele pertencesse por uma noite a este lúdico espaço citadino. Sabiamente, um conterrâneo nosso, exímio neologista e cruzeirense roxo, quer dizer, azul, o Cunha Laça-Verso, ou, Cunhinha, diria que Zezinho possuiu um quê de cibernética musical. E diria também que Zezinho é um Rouxinol solitário que nos faz sentir acompanhados quando canta. Acompanhados de nós mesmo e do outro. Ou outra. Ressalta-se, então, que a comparação aqui é natural, próxima do método ideogrâmico de Ezra Pound. O jequitinhonhense Cunhinha possui o que Roland Barthes chama de imaginário da linguagem. O saber das palavras. A palavra usada de maneira eloquente, maliciosamente adocicada e repleta de unidades singulares e mônadas mágicas. A fala não só como instrumento ou expressão do pensamento, mas também como transliteração, como linguagem de medida lógica, afastando o pragmatismo ,e, espontaneamente, fazendo-nos sentir em casa.
O que Cunhinha faz tão bem com as palavras, Zezinho fez com a música. Sentimo-nos à vontade. Sentimo-nos tão próximos e tão em casa a ponto de imaginarmos o Zé Ramalho como um jequitinhonhense nato. Quem não se emocionou ao ouvi-lo dizer Je-qui-ti-nho-nha, cheio de sotaque e de idiossincrasia? Quem não se emocionou com o show que começou com a música “O que é, o que é”, de Gonzaguinha, e se encerrou com “Sinônimos”? Duvido que alguém tenha saído com o coração sem sangrar. Duvido que alguém não tenha escutado os mistérios da meia-noite. Duvido que alguém não tenha enxergado a neblina turva e brilhante vinda daquele palco e daquelas músicas. Duvido. Dessa forma, o show de Zé Ramalho, além de produzir um encantamento especial; além de entrar para história como a festa de maior público que o Vale do Jequitinhonha já viu; além de comprovar, mais uma vez, a capacidade administrativa do prefeito Roberto (um político do tamanho da importância histórica de Jequitinhonha); além disso tudo, sepulta também afirmações de que o jequitinhonhense, e, sobretudo, os jequitinhonhenses mais jovens só gostam de axé, arrocha ou coisas do gênero. Tá aí uma falácia e das hiperbólicas. No show de Zezinho, nosso chegado, acompanhamos um público heterogêneo, composto, em grande parte, por jovens, que não parou(raram) de cantar por um só instante. Aquilo modificou o olhar. Aquilo impressionou. E ficou. E permaneceu. E permanecerá na história. E nas lembranças da gente. Mesmo que o meu ou o seu olhar não estivesse inteiramente no palco. Mesmo que não olhássemos a multidão a todo instante. Estávamos ali naquela noite. Permanecíamos. Permanecíamos e permaneceremos nas lembranças daquela noite. A noite em que a linguagem se encontrou com a música. E que a música disse algo bem perto deste trecho de “Modificando o olhar”, de Zezinho: “ Ainda me lembro daquele desejo/ do tipo que arde no centro do peito/É como se fosse a única fonte/Daquelas que fazem o rio no leito”.