quinta-feira, 14 de abril de 2011

Texto de abril na minha coluna do jornal Informativo, de Jequitinhonha

                                                             Sinônimos

Falar do show de Zé Ramalho em Jequitinhonha se tornou tarefa fácil, de uma banalidade indecorosa. Não, não porque extrapolam aqui nesta coluna narcisismos exagerados. Não é isso. É mais que isso. É nada disso e mais que isso. E digo o porquê. Estamos todos, eu, você e os tantos e tantos privilegiados que assistiram ao show naquela praça com sentimentos repletos de cumplicidades, enternecimentos e camaradagem. De tal forma que eu poderia simplesmente, de uma hora para outra, começar a chamar um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira de Zezinho. Fomos pegos pela intimidade. É como se Zé Ramalho fosse um de nós, jequitinhonhenses. E ainda é como se ele pertencesse por uma noite a este lúdico espaço citadino. Sabiamente, um conterrâneo nosso, exímio neologista e cruzeirense roxo, quer dizer, azul, o Cunha Laça-Verso, ou, Cunhinha, diria que Zezinho possuiu um quê de cibernética musical. E diria também que Zezinho é um Rouxinol solitário que nos faz sentir acompanhados quando canta. Acompanhados de nós mesmo e do outro. Ou outra. Ressalta-se, então, que a comparação aqui é natural, próxima do método ideogrâmico de Ezra Pound. O jequitinhonhense Cunhinha possui o que Roland Barthes chama de imaginário da linguagem. O saber das palavras. A palavra usada de maneira eloquente, maliciosamente adocicada e repleta de unidades singulares e mônadas mágicas. A fala não só como instrumento ou expressão do pensamento, mas também como transliteração, como linguagem de medida lógica, afastando o pragmatismo ,e, espontaneamente, fazendo-nos sentir em casa.
O que Cunhinha faz tão bem com as palavras, Zezinho fez com a música. Sentimo-nos à vontade. Sentimo-nos tão próximos e tão em casa a ponto de imaginarmos o Zé Ramalho como um jequitinhonhense nato. Quem não se emocionou ao ouvi-lo dizer Je-qui-ti-nho-nha, cheio de sotaque e de idiossincrasia? Quem não se emocionou com o show que começou com a música “O que é, o que é”, de Gonzaguinha, e se encerrou com “Sinônimos”? Duvido que alguém tenha saído com o coração sem sangrar. Duvido que alguém não tenha escutado os mistérios da meia-noite. Duvido que alguém não tenha enxergado a neblina turva e brilhante vinda daquele palco e daquelas músicas. Duvido. Dessa forma, o show de Zé Ramalho, além de produzir um encantamento especial; além de entrar para história como a festa de maior público que o Vale do Jequitinhonha já viu; além de comprovar, mais uma vez, a capacidade administrativa do prefeito Roberto (um político do tamanho da importância histórica de Jequitinhonha); além disso tudo, sepulta também afirmações de que o jequitinhonhense, e, sobretudo, os jequitinhonhenses mais jovens só gostam de axé, arrocha ou coisas do gênero. Tá aí uma falácia e das hiperbólicas. No show de Zezinho, nosso chegado, acompanhamos um público heterogêneo, composto, em grande parte, por jovens, que não parou(raram) de cantar por um só instante. Aquilo modificou o olhar. Aquilo impressionou. E ficou. E permaneceu. E permanecerá na história. E nas lembranças da gente. Mesmo que o meu ou o seu olhar não estivesse inteiramente no palco. Mesmo que não olhássemos a multidão a todo instante. Estávamos ali naquela noite. Permanecíamos. Permanecíamos e permaneceremos nas lembranças daquela noite. A noite em que a linguagem se encontrou com a música. E que a música disse algo bem perto deste trecho de “Modificando o olhar”, de Zezinho: “ Ainda me lembro daquele desejo/ do tipo que arde no centro do peito/É como se fosse a única fonte/Daquelas que fazem o rio no leito”.

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