O filósofo
alemão Martin Heidegger, em Unterwegs zur Sprache (A Caminho da Linguagem),
utilizou-se das reflexões aristotélicas para diferenciar o uso da linguagem no
mundo antigo e no fim desse mesmo mundo. Essas reflexões diziam que “as letras
mostram o som da voz, esta mostra o que é experimentado na alma, que por sua
vez mostra as coisas que atingem a alma”, e que “quando a voz mostra o
experimentado na alma, esta é atingida pelas coisas”. Os novos poetas do Vale
desapareceram. Perderam o som da voz e suas almas não são mais atingidas pelas
coisas. A poesia que se faz atualmente na região e por quem nela nasceu sofre
de insuficiência lírica, temática e estética. Falta leitura aos nossos novos
candidatos a fazerem parte da plêiade valejequitinhonhense. Eles escrevem sem
conhecer Safo, Catulo, Homero, Arnaut Daniel, Dante Alighieri, Camões,
Petrarca, William Shakespeare, Apollinaire, Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé,
Verlaine, James Joice e brasileiros como Gragório de Matos, Sousândrade, Pedro
Kilkery, Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade, Haroldo de
Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari e Arnaldo Antunes, entre outros. “O
poema é a mediação entre uma experiência original e um conjunto de atos e
experiências posteriores, que só adquirem coerência e sentido com referência a
essa primeira experiência que o poema consagra”, alertou-nos Octavio Paz, no
livro “O Arco e a Lira”. A nova geração do Vale produz uma poesia com métrica
em torcicolo e sem novidades temáticas ou estéticas. Ademais, seu lirismo não
mistura a experiência original e posterior e, por isso, o elemento datável do
poema e seu começo absoluto se perdem, prevalecendo versos repetitivos e
circunlóquios. Perdeu completamente o que T.S Eliot chama de “harmonia entre o
antigo e o novo”. E isso torna essa geração pessoal em demasia, pois
habitualmente são inconscientes onde deviam ser conscientes e conscientes onde
deviam ser inconscientes. A poesia é muito mais do que liberar emoções. É um
fugir-se delas.
É preciso
seguir a lição de João Cabral, o arquiteto das palavras: sair do poema “como
quem lava as mãos”. Os novos poetas do Vale necessitam sair de seus poemas.
Hoje, a única exceção, aquela que sai do poema, é a Mariana Botelho, de Padre
Paraíso. Uma grata revelação que produz uma linguagem que transita entre o som,
o sentido, o verso e a prosa. O resto é regra. Continua no poema e se sufoca nele.
O maior exemplo da falta poética dos novos poetas do Vale são o livro
“Antologia Poética do Vale do Jequitinhonha”, do qual, inclusive, participei. E
a noite Literária do 29º Festivale, ocorrida em Jequitinhonha, ano passado, da
qual participei também, como jurado. Ambos comprovam que os novos poetas de nossa
região esgotaram o verbo e cansaram o signo. Transfiguraram-se em Orfeus sem
Eurídice.
Infelizmente,
os poetas contemporâneos do Vale não lembram em nada nomes como Wesley Pioest,
Jansen Chaves, Tadeu Martins, Gonzaga Madeiros, Rubens Espíndola, Pedro Guerra,
João Ubiramar Rocha Santos, Ivete Barreto Murta, Geraldo Guedes de Carvalho,
Adão Ventura e, claro, os jequitinhonhenses José Machado de Mattos, Cláudio
Bento, Caio Duarte e Wellington Miranda. Essa geração, surgida no final da
década de 1970, “abriu caminho caminhando”, como diria Alfredo Bosi. Talentosa,
explorou ao máximo os brancos da página, as possibilidades dos versos livres e
o cordel. Fez com que o imaginário telúrico do Vale fosse conhecido/reconhecido
em cada um dos longínquos cantos do Brasil. E criou uma tradição poética
valejequitinhonhense que ainda se escreve e resiste ao tempo.
Resta-nos
esperar que as crianças do Vale aprendam a lição de que a poesia é como o
“Corpo sem órgãos” deleuziano e guattariano, em que não se chega, não se pode
chegar, nunca se acaba de chegar a ele ou a ela. Resta-nos lutar para que a
poesia seja ensinada na escola. Mas não como uma máquina de rimas, e sim como
um suave e frenético desmaio da linguagem. Resta-nos combater o inimigo da
modernidade e seus ilhamentos e recusas. Devemos, todos, amantes da boa
Literatura, trabalhar agora para termos resultados mais tarde. Dessa forma, as
crianças de hoje serão os poetas de amanhã. Poetas livres. Poetas sem amarras.
Poetas inquietos que nunca se esquivam da crítica e da conciliação. Tomara que
elas, nossas crianças, os meninos e meninas do Vale, espelhem-se na geração do
final da década de 1970 e não nesta nova geração que escreve em língua
“incompreensível”, torta e em ritmo monótono. Tomara que os professores
despertem e transformem a poesia em disciplina obrigatória, cuja ementa tenha
os grandes poetas da Literatura universal, brasileira e, sobretudo,
valejequitinhonhense. Tomara que Baudelaire seja lido e discutido: “o poeta
goza desse incomparável privilégio de poder, à sua votade, ser ele mesmo e o
outro”. Válida Esperança!