Em recente entrevista a revista
de Cultura Agulha, de Fortaleza, Ceará, a escritora Maria
Lúcia Dal Farra (1944), perguntada sobre o papel da inócua e tímida crítica de poesia
brasileira, afirmou, categoricamente, que “de verdade mesmo escrevemos para
ninguém, pelo menos para ninguém que nos ouça ou que nos leia – escrevemos
sempre para quem ali não está e que, se estivesse, não se encontraria onde
supomos que pudesse estar. A poesia nasce desse desencontro jamais resolvido e
essa é a maneira de ela se projetar para adiante – porque procura aquele que
ainda não há. A rigor, portanto, era bom que o crítico ocupasse esse lugar
des-sabido e errático (pelo menos por alguns instantes) nem que fosse dentro da
máscara de um “hypocrite lecteur” baudelaireano (que, aliás, nesta versão da
modernidade, data pelo menos de 1848 - donde se vê que o espaço vazio é
antigo)”. Vesti-me da carapuça baudelaireana e, menos adiante, tive um texto
publicado pela Revista de Literatura e Cultura Desenredos, fundada em Teresina,
Piauí, em 2009, com o objetivo de estimular a criação artística e promover o
debate de temas vinculados, direta ou indiretamente, à Literatura.
Ocupei-me
do lugar des-sabido e errático para, no texto “O percurso o rio Jequitinhonha da
tradição ao contemporâneo: a consagração do instante”, discutir as imagens desse rio
presentes nos livros Vila Rica, de Cláudio Manoel da Costa; Glaura,
de Silva Alvarenga; Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles; e
no poema “O rio agora é outro”, de José Machado de Mattos, pertencente à série
de poemas “Válida Esperança”, de Jequitinhonha Antologia Poética. Nessas
reflexões, procurei demonstrar como suas imagens se vinculam ao “ciclo do ouro”
mineiro e ao apogeu financeiro do Vale do Jequitinhonha, no século XVIII, nas
obras dos poetas árcades e da poeta modernista, e como se vinculam à decadência
econômica do Vale, no final do século XX, no poema do poeta contemporâneo.
Ao escrever sobre o
Jequitinhonha, escrevi-me, muitas vezes. Senti-me na proa de seus escaleres.
Lembrei-me das peladas do fim do dia na praia. Toquei e fui tocado pelas águas
marrons, cheias de histórias e opinião. E tudo bem! Se crítica de poesia em
nosso país ainda é ínfima e rara. E se a crítica de poesia do Jequitinhonha
era, até então, inexistente, não o é mais. A geografia da terra dos diamantes
tem um lugar merecido na Biblioteca de Babel da crítica literária, mesmo que
para aqueles que ainda não hão. Ora! Foi dissertando sobre o que amo que
redescobri o rio em palavras. Analisando-o, enxerguei suas terceiras margens.
Elas estão lá, quando o gigante Itamonte, em Vila Rica, apresenta-lhes ao herói
Garcia... rio do leito empolado... Estão lá, quando, à beira do feliz Jequitinhonha,
que serve como cenário para o amor de um pastor por sua amada, em Glaura, a
vida se bucoliza. Estão lá, quando Cecília Meireles retoma o antigo arraial do
Tijuco e a história de Chica da Silva “nas luzentes vagas do Jequitinhonha”.
Estão lá, quando o poeta jequitinhonhense, ser enraizado, depara-se com um rio
modificado e doente, um rio que é outro mar, sem água e sem sal.
Estão lá, presentes entre os
homens, consagradas na história. No princípio do princípio, antes, mas não fora
dela. E é nesse lugar de desencontro jamais resolvido é que a poesia continua
existindo, afinal, como disse a Maria Lúcia Dal Farra, “a
poesia só existe quando se coloca contra a linguagem que vigora, cavando
frestas por onde significar outra coisa que ela mesma ainda nem sabe o que é. E
só há um jeito de viver isso: no impasse. Porque não é só uma questão de
contenda sempre armada entre o poema e o seu leitor. Mas de uma luta
engalfinhada entre o que a poesia busca produzir e aquilo que suas leis de
produção lhe permitem ou não ultrapassar enquanto fatores constitutivos da
comunidade da qual ela emerge e com quem dialoga. Muito embora em trânsito
permanente, esse mecanismo de mercado só sossega se domá-la, ávido por
abocanhá-la como sua presa, pasteurizando-a em definitivo. Fugir desse
sequestro, enfrentá-lo no texto, situa a poesia nesse impasse de que falo, pois
que o ato poético, na impossibilidade do heroísmo que redundaria inócuo, não
pode ceder à contraparte cínica contida no desejo de se realizar.” Assim é. E
tomara que assim seja!
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